Deuses Corrompidos
Reveladores da Contradição
Rasguem as vestes da fé que só pretende nos sufocar.
Errar forma a realidade que nos ensina a pensar.
Nós ofertamos os segredos que eles não querem mostrar.
Desejar é verbo primordial que o Caos faz pulsar.
Deuses dormem nas sarjetas onde a Matéria vai quebrar.
Na embriaguez dos Vícios, há sabedoria a se escutar.
Sobre os escombros da Ordem, outros recomeços vão brotar.
— Dwali "Escriba" Gamilîm, Artefateiro da Oficina Rochosa de Azan
Antes, chamados simplesmente de Deuses, os Deuses Corrompidos vieram da carne de Asgalon da mesma forma que seus irmãos e irmãs, os Deuses Justos. Dentre eles, o mais antigo é Yago, Deus da Palavra Quebrada, nascido logo após Ellaren, e o mais jovem é Gorka, Deusa do Tempo Perdido, que surgiu instantes antes de Sandall trazer a Primeira Aurora.
Ao contrário do que o credo tradicional diz, os Corrompidos não surgiram como intrusos, tampouco como usurpadores: foram moldados pela mesma Deusa Mãe que deu vida aos Deuses Justos e, desde o início, carregaram em si não a perfeição da Ordem, mas a inevitabilidade do Caos. A mesma carne primordial deu forma aos Corrompidos, aqueles que encarnam a fraqueza, a paixão e o desespero que residem em cada mortal.
Seus poderes não fluem da Virtude e da Ordem, mas de dois outros pilares: o Caos e o Vício, Aspectos Primordiais que, longe de serem mera degeneração, sustentam a própria experiência mortal e o equilíbrio da Criação. Nenhum coração pulsa sem desejo, nenhum pensamento amadurece sem erro, e nenhum império nasce sem a marca da ambição ou o vontade de conquista. Por isso, os mortais não os cultuam como senhores, mas os reconhecem como cúmplices. Entre os seus Aspectos Maiores estão a Doença, a Rebeldia, o Prazer, o Engano e a Traição. Faces rejeitadas pelos Justos, mas tão antigas quanto a vida. No fim, os Corrompidos oferecem espelhos polidos nos quais cada alma deve encarar aquilo que teme admitir.
Quando a guerra contra os Horrores Ancestrais devastou a Criação, foram eles que, liderados por Yago, colocaram em prática o plano de Eukon para o sacrifício final. Traíram seus irmãos, dizem uns; salvaram a Criação pelo preço da própria danação, dizem outros. Sua sina foi o encargo de cuidarem sozinhos de Lumiar e de uma Matéria desprovida do calor acolhedor de Sandall por dezenas de milhares de anos.
Durante a chamada Idade dos Corrompidos, que se iniciou com a expulsão do Horrores Ancestrais, movidos pelo Caos e pelo Vício e sem ter o amparo da Ordem e da Virtude de seus irmãos e irmãs lacrados no Vazio, os Dezesseis Corrompidos disputaram entre si os rumos dos Reflexos sob sua responsabilidade através de embates violentos e até cataclísmicos. Conhecidos entre os mortais como Guerras Fraticidas, esses conflitos milenares enfraqueceram os chamados Deuses Corrompidos e os deixaram cegos à ameaça dos Dragões Tyranos. Um a um perderam o acesso à Matéria e se viram lacrados em Lumiar.
Poucos conhecem a versão da história que diz que foi Kochbar, Deusa da Mão Trêmula, quem conseguiu dar o impulso inicial que fez Sandall começar a despertar durante a Idade dos Tyranos e dar início ao Chamado dos Exilados que trouxe os Deuses Justos de volta à Esfera da Criação. Esse ato levou à derrota dos Dragões Tyranos, mas que recompensa os Dezesseis Corrompidos receberam? O banimento para um novo Reflexo chamado Thartan, criado a partir da ruptura de Lumiar.
Os Deuses Justos inauguraram uma era, mas jamais encerraram a influência de seus irmãos e irmãs renegados. Enquanto houver sede, paixão e contradição no coração dos mortais, os Deuses Corrompidos estarão presentes. Não como mestres, mas como vozes internas. Não como tiranos, mas como verdades incômodas. São eles que sussurram: não há Criação sem erro, não há vida sem desejo, não há mundo sem caos.

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