Agax
Deusa da Indiferença
Acima de tudo, ergue-se Agax, sem amor, dor ou remorso.
Seu olhar atravessa os vivos, mas nada deseja guardar.
Nos ossos dispostos em círculo, aprende-se a arte da entrega.
Garra ergue-se ao vazio, saudando o silêncio do céu.
Quem perde, renuncia; quem ama, despede; e ambos são pó.
Repete a ave que nada persiste, nem dor, afeto ou nome.
Indiferença é lei e a ave sagrada repousa serena.
— Dwali "Escriba" Gamilîm, Artefateiro da Oficina Rochosa de Azan
Nada nos pertence, nem mesmo a vida.
Agax é a deusa da renúncia, da aceitação do inevitável e do sacrifício sem retorno. Chamada de Rainha dos Corvos e Mestra do Silêncio, seu poder não se ergue em exaltações ou conquistas, mas na serenidade de quem solta as amarras da posse e abre mão da própria carne, se preciso, para que algo maior permaneça. Quando os Povos Civilizados estavam cercados pelo desespero na Idade dos Tyranos, foi a lembrança dos ensinamentos de Agax que deu forças para não temerem a perda, a não se apegarem ao que devia ser deixado para trás, e a atravessarem a dor como um campo inevitável. Para Agax, todo bem pode ser partido, toda vida pode ser entregue, e todo corpo pode ser abandonado se a alma ainda puder avançar. Hoje, Agax é cultuada como Deusa da Indiferença, uma divindade do silêncio altivo, que acolhe os que aceitam a transitoriedade e repele os que buscam a posse eterna. Seu gesto não é de amparo, mas de soltura. Seu olhar não pesa na permanência, mas na entrega. Renunciar, suportar e prosseguir: esses são os princípios que sua presença impõe onde quer que sua sombra se projete.
Aparência e Representação
A presença de Agax é percebida pelos mortais na indiferença da natureza diante do sofrimento humano, no bater seco de asas negras sobre campos de batalha e no silêncio frio que acompanha os lutos sem lágrimas. Sua influência não grita nem consola: apenas persiste, lembrando que a perda é inevitável e que a renúncia é a única forma de liberdade. Muitos afirmam sentir sua sombra no momento em que soltam algo que amavam, aceitando a verdade de que nada lhes pertence para sempre.
Agax é frequentemente representada com símbolos de desprendimento, silêncio e sombras. Aos olhos de seus devotos, sua manifestação mais conhecida é a de uma mulher alta, de pele cinérea, olhos brancos opacos e longos cabelos negros desgrenhados que caem até os joelhos. Seu corpo é coberto por um manto de penas escuras que nunca parece estar parado, como se asas invisíveis batessem ao redor dela. Em sua mão esquerda segura um corvo morto, e na direita uma pequena lâmina ritual, usada não para atacar, mas para separar — cortar vínculos, soltar laços, abrir o espaço da renúncia. Seu semblante é sereno, vazio de paixão, marcado por uma indiferença que não se confunde com crueldade.
Outra representação comum é a da Ave dos Mortos, um corvo gigantesco de envergadura impossível. Suas garras apertam montanhas de ossos ou mundos de raízes, e seus olhos leitosos parecem atravessar qualquer mortal com a lembrança inevitável do fim. Na arte sacra, muitas vezes é retratada cercada por outros corvos menores, que funcionam como extensões de sua vontade.
A forma e os traços de Agax variam conforme a cultura que a retrata. Entre povos marítimos, pode surgir como uma ave costeira de olhos mortos; em regiões montanhosas, como um corno fúnebre; em outras, como uma figura humana com asas despedaçadas. Mas em todas as versões, há um mesmo fio condutor: a imagem da renúncia inevitável e a aceitação da perda.
História
Entre os Primogênitos da Criação que emergirem da carne viva de Asgalon, havia Agax. Seu nascimento não foi marcado por clarões nem trovões, mas pelo silêncio. Quando seus irmãos e irmãs ainda caminhavam juntos por Lumiar, enquanto celebravam o ardor da Criação e disputavam o direito de moldar a Matéria, ela se manteve distante, contemplando a impermanência de tudo o que era erguido. Desde o início, não buscou domínio nem partilha: seu poder não estava no construir ou preservar, mas em ensinar a soltar. Por isso, ficou conhecida como a Deusa da Indiferença e a Mestra do Silêncio.
Durante as primeiras discórdias entre os hoje conhecidos como Deuses Justos e Deuses Corrompidos, Agax não se colocou nem ao lado da ordem nem do caos. Sua indiferença parecia um peso e, ao mesmo tempo, um alívio. Enquanto Haelik caminhava entre irmãos buscando firmar o Primeiro Pacto, Agax observava com olhos brancos e imóveis, lembrando a todos que nenhuma aliança é eterna, nenhuma promessa dura para sempre, e que até a carne dos Deuses retornaria ao ventre de Asgalon algum dia. Muitos a acusaram de inércia, mas outros a respeitaram como a única voz sincera diante da inevitabilidade da perda.
Quando os Horrores Ancestrais invadiram a Criação, Agax não lutou, tampouco recuou. Seus seguidores dizem que foi a única a não se espantar diante da ruína, pois já havia aceitado a dissolução como destino de todas as coisas. Não ergueu armas, mas revelou aos mortais um consolo duro: que o sacrifício e a entrega voluntária são tão necessários quanto a luta. Foi esse sussurro que fez os mortais erguerem os primeiros templos em honra à Ave dos Mortos e inspirou tanto guerreiros como mártires a oferecerem suas vidas para retardar a destruição. Muitos dentre os caídos na guerra foram enterrados sob seu signo.
Com o engano de Eukon e o banimento dos Deuses Justos ao Vazio, Agax permaneceu. Não porque lutou para ficar, mas porque não se opôs a partir. Indiferença ou sabedoria, ninguém sabe. Durante a Idade dos Corrompidos, não disputou territórios entre os múltiplos Reflexos, nem se embriagou de poder como seus irmãos e irmãs. Permaneceu à margem, lembrando aos povos que toda posse se esvai, toda vitória apodrece, todo império rui. Por isso seus templos, ainda que poucos, jamais desapareceram: construídos como auditórios silenciosos, locais de renúncia e de preparação para o fim.
No fim da Idade dos Tyranos, quando os Deuses Justos retornaram à Matéria e Sandall reacendeu a esperança com sua luz, Agax permaneceu uma sombra discreta. Seus sacerdotes não marcharam em exércitos nem assinaram tratados; instruíram reis e generais a aceitarem a morte sem medo, a sacrificar-se sem apego à glória. Alguns dizem que, sem ela, o fogo de Sandall e a palavra de Haelik não teriam encontrado corações dispostos a se entregar. Ao fim da Quarta Guerra dos Dragões, mesmo com sua indiferença frente aos destinos mortais, Agax foi punida junto dos demais Deuses Corrompidos e condenada ao Thartan.
Hoje, Agax é lembrada não como salvadora ou guerreira, mas como testemunha imutável. Onde há perda, lá se encontra seu nome. Onde há desapego, há sua marca. E quando a Criação tremer novamente, como inevitavelmente tremerá, muitos acreditam que será sua voz — fria, calma e inevitável — que lembrará aos mortais que até os Deuses são passageiros.
Dogma
Pelo o que se foi, não chorarei,
Tudo que me prende, renunciarei.
Nada me pertence, nada levarei,
No fim da senda, silêncio serei.
Salmo da Aceitação, conforme registrado no Códice do Silêncio
Texto Sagrado: Códice do Silêncio.
Cor Sagrada: Preto Azulado.
Criatura Sagrada: Corvo.
Assim ensina Agax, a Rainha dos Corvos e Mestra do Silêncio. Seus ensinamentos não se voltam à criação, mas à aceitação da perda e da renúncia. Ela não pede guerras por glória nem vingança por vaidade. Sua indiferença é mais profunda que a raiva. Agax instrui a soltar as amarras, aceitar o fim inevitável e ver beleza no que é fragmentado.
Os seguidores de Agax, conhecidos como agaxianos, não buscam acumular, mas largar; não defendem permanência, mas transformação. Diante dela, toda posse é ilusória, toda conquista é provisória e toda carne, um voo transitório. Onde outros clamam por eternidade, ela responde com silêncio e cinzas.
Agax não exige lágrimas nem súplicas. Seu dogma é a aceitação do fim, da perda e da ruína como parte inevitável do todo. A ave que devora, o corpo que apodrece, o pacto que se dissolve. Nada é eterno, tudo é dissolução. Aqueles que se consagram a ela aprendem não a lutar contra a queda, mas a abrir as asas no meio dela.
As Três Quedas
O dogma de Agax repousa sobre três movimentos inevitáveis que definem o ciclo de toda existência. Todo ser, inevitavelmente, cai três vezes no caminho do fim. Essas quedas não são derrotas, mas ritos de passagem onde cada etapa abre as asas de quem a vivencia para o voo seguinte. Os agaxianos chamam esse conjunto de preceitos de As Três Quedas, que marcam as três etapas pelas quais um seguidor fiel da Deusa da Indiferença precisa passar se pretende alcançar, não uma vida após a morte, mas ao silêncio reconfortante da aceitação de própria vida, seus sofrimentos e seu fim.
- Renunciar, a Primeira Queda. Antes de tudo é preciso renunciar. O agaxiano solta o que lhe prende e abre mão dos afetos e prazeres mundanos. Nenhum laço é eterno, nenhum domínio é absoluto. Renunciar é reconhecer que nada nos pertence. Esse ensinamento é representado com um gesto de estender a mão segurando algo de valor pessoal e depois deixar o objeto cair, como símbolo da renúncia de tudo que não se pode reter.
- Suportar, a Segunda Queda. Após renunciar, o fiel de Agax aprende a suportar a dor, a perda e o silêncio do abandono. Tudo deve ser acolhido sem resistência. O discípulo não luta contra a incerteza da existência, mas a recebe no peito. O gesto ritual é fechar os olhos e respirar fundo três vezes, carregando o peso e aceitando a carga.
- Prosseguir, a Terceira Queda. Na última queda, resta seguir adiante, mesmo esvaziado, mesmo ferido, mesmo sozinho. Prosseguir é compreender que o fim não é um muro, mas um horizonte silencioso. O agaxiano deve erguer-se uma última vez, caminhar em silêncio, não olhar para trás e cumprir sua sina. O gesto que representa essa etapa é dar três passos à frente em completa mudez.
Proibição
"Nunca apegar-se aquilo que já partiu."
Para Agax, o pecado não é perder, mas recusar-se a aceitar a perda. Apegar-se ao que se desfez — um corpo, um amor, uma glória, um poder — é desafiar a ordem natural da dissolução. Aquele que se recusa a abrir mão é devorado por dentro, apodrecendo como uma carcaça não entregue aos corvos.
O agaxiano que falha, pode encontrar absolvição não com reparação, mas com renúncia. Não se conserta o vaso quebrado; ele é entregue à terra. Não se costura a asa rasgada; ela é ofertada ao vento. O único perdão em Agax está em soltar e ser consumido pelo nada que ela encarna.
Assim caminham os agaxianos: sem lamento, sem apego, sem temor. Pois onde todos veem fim, eles veem voo.
Ocoário de Agax
Sacerdotes: Corvino | Corvinos.
Seguidores: Agaxiano | Agaxiano.
Gesto Sagrado: Silêncio da Aceitação.
Arma Favorita: Adaga — Gume do Silêncio.
O culto de Agax se ergue na aceitação muda do inevitável. Sua estrutura, chamada de Ocoário de Agax, não é uma rede de poder, mas um vazio sagrado. Nos seus templos, os corvinos preparam corpos para o adeus, não com a promessa de retorno, mas com a certeza da entrega. Eles acolhem enlutados, não para confortar com esperanças, mas para ensinar que toda perda é passagem e todo vínculo, pó. Seus sacerdotes ensinam a soltar, a atravessar o luto sem resistência, e a enxergar no silêncio da morte não um castigo, mas um horizonte. As Três Quedas — renunciar, suportar e prosseguir — são o eixo da fé, repetidas como rito de vida e de morte. O corpo sacerdotal de Agax não abençoa posses, não celebra conquistas, não protege impérios: apenas recorda que tudo se desfaz. Onde o Ocoário se instala, os fiéis aprendem a não temer a dissolução, mas a caminhar através dela com serenidade. Onde a Deusa da Indiferença é honrada, nada persiste, mas tudo se solta, como a asa negra do corvo que desaparece no céu.
Hierarquia
Ordenamento: 1. Indiferente. 2. Desatado. 3. Ravnar. 4. Corvino. 5. Renunciante.
O conjunto de sacerdotes de Agax, conhecido como Corpo dos Renunciantes, organiza-se em cinco níveis hierárquicos, cada qual dedicado a guiar os mortais através dos ensinamentos da Rainha dos Corvos.
No ápice estão os Três Indiferentes, o conselho que possui autoridade suprema sobre o culto. Eles são os guardiões do Códice do Silêncio Original, definindo os ritos e supervisionando o Corpo dos Renunciantes nas questões mais complexas da fé. Sua presença raramente é vista, mas seus comandos são sentidos em cada ato de desapego praticado pelos agaxianos. São também quem decide quais templos emergirão, quais memórias devem ser esquecidas e quem está pronto para avançar na hierarquia da fé.
Logo abaixo estão os desatados, líderes regionais e executores das orientações dos Três Indiferentes por toda Matéria. Cada desatado supervisiona os Ocoários em sua jurisdição, garantindo que os ritos de preparação, acolhimento e desapego sejam cumpridos com precisão. Eles orientam os ravnares, administram os Poços da Renúncia e ensinam os princípios das Três Quedas, assegurando que sejam preservados em cada templo.
Os ravnares guardam os Apoários, templos de importância regional que dão suporte para todos os Ocoários em seu território. São os responsáveis por formar os novos corvinos e sancionam as cerimônias de integração dos renunciantes.
Corvinos são os cuidadores dos Ocoários, templos locais onde o silêncio se materializa em pedra. Preparando corpos e acolhendo enlutados, aplicam os ritos de desapego e guiam os agaxianos através das Três Quedas. São o primeiro espelho da renúncia para aqueles que buscam aprender a soltar.
No início da jornada estão os renunciantes, recém-iniciados que estão aprendendo a trilhar o caminho do desapego. Observam, experimentam e sentem o peso da perda sem resistir, moldando-se ao silêncio e ao eco que os envolve. Cada passo é um aprendizado, cada gesto um prelúdio da Terceira Queda. São os discípulos da renúncia, preparados para, um dia, guiar outros através do sopro da indiferença de Agax.
Locais de Culto
Os templos dedicados a Agax são chamados genericamente de Ocoários, espaços erguidos para acolher a dor e ensinar a renúncia. Não são fortalezas e nem palácios, mas câmaras fechadas de pedra sólida e fria onde o eco substitui o canto e o silêncio pesa mais que qualquer palavra. Em cada Ocoário repousa o Altar da Queda, uma plataforma elevada simples, sobre a qual corpos são preparados para o adeus e onde os vivos aprendem a soltar aquilo que lhes escapa. Em todos os níveis os locais de culto a Agax compartilham um mesmo princípio: não oferecem permanência, mas passagem. O fiel que entra em um Ocoário não busca respostas, apenas aprende a suportar o peso da ausência e a prosseguir depois da queda.
A nível local, seus templos são chamados de Ocoários e funcionam como casas de passagem. Neles, os corvinos lavam os corpos dos mortos, acolhem os enlutados e realizam pequenos ritos de desapego. Sua arquitetura é projetada de modo a transformar cada som em uma sombra que se prolonga: salões ovais que projetam a voz, corredores estreitos que comprimem o som e paredes de pedra nuas que refletem qualquer som no ambiente. Com exceção do Altar da Queda e alcovas para sacrifícios, não há ícones de poder, tapeçarias, decorações ou mesmo móveis de madeira: apenas espaço para o silêncio se fazer presente. Em seu centro, sobre o Altar da Queda, há uma abertura no teto.
Já os Apoários são construções maiores. Sombrias e solenes encontradas em regiões onde a fé em Agax é mais antiga. Em seus interiores amplas câmaras em abóboda ressoam com passos solitários. No centro, junto ao Altar da Queda, encontra-se o Poço da Renúncia, uma abertura profunda onde se atiram objetos de apego pessoal e memórias que precisam ser esquecidas.
No ápice do culto estão os Ecoários, raríssimos e envoltos em lenda. Não são templos construídos, mas fendas rasgadas do próprio mundo: falésias onde o vento geme sem descanso, cavernas oceânicas onde a maré ressoa como um pulmão infinito, abismos montanhosos que devolvem cada grito em mil vozes deformadas. Ali, a natureza é mais vasta que qualquer pedra talhada, e a presença da Rainha dos Corvos se revela na vertigem e no eco que jamais cessa. Não há altar nem imagem: o precipício é o púlpito, a onda é o cântico, a rocha é a lembrança. As vozes que ousam ressoar em um Ecoário retornam como se o templo respondesse. Um Ecoário não abriga assembleias nem ritos cotidianos. Ele engole corpos e memórias, pois não é um lugar de passagem como os Ocoários, nem de entrega como os Apoários, é o fim e o retorno.
Os santuários de Agax são somente um Altar da Queda improvisado com o que se tiver à disposição: pedras, troncos e objetos descartados. Qualquer um pode erguer um santuário assim, contanto que o faça em silêncio e com o gesto sagrado da Deusa da Indiferença. Eles lembram a todos que, em qualquer lugar, a perda pode se tornar oração.
Ritos Sagrados
Os ritos dedicados a Agax são ecos de renúncia e silêncio, moldados para ensinar que todo vínculo se desfaz e que nada pertence ao fiel além do vazio que o acompanha. Cada cerimônia é menos um ato de devoção e mais um exercício de renúncia: não há hinos ou júbilo, apenas sangue derramado, memórias atiradas ao abismo e o som prolongado que transforma a ausência em oração.
Seu gesto sagrado é chamado de Silêncio da Aceitação. Com a mão esquerda os agaxianos cobrem a boca e mantém silêncio por alguns instantes, simbolizando a aceitação do que aconteceu. É usado diante de túmulos, despedidas, perdas e também em ritos de passagem. Esse gesto pode ser acompanhado da frase: "Nada me prende, tudo me atravessa".
O Rito do Desprendimento é celebrado nos Ocoários quando alguém parte, seja pela morte, pelo abandono ou pela perda irreparável. O corpo, ou o símbolo do que foi perdido, é disposto sobre o Altar da Queda e lavado em silêncio. Ao redor, os agaxianos entoam em uníssono três palavras, uma para cada queda: "Renuncio. Suporto. Prossigo". Cada vez que uma das palavras é dita, um corvo negro é solto no Ocoário em direção à abertura central no teto do templo. Ao fim, os presentes deixam cair das mãos um objeto de apego, seja uma flor, um pedaço de tecido ou mesmo um punhado de terra. Nada é recolhido: o que toca o chão permanece entregue.
Outro rito, praticado nas mudanças de estações e em momentos de grandes traumas coletivos, é o Rito da Renúncia. Nele, os fiéis caminham juntos até o Ocoário mais próximo, cada um carregando consigo um objeto que simbolize um vínculo passado. Ninguém pronuncia uma palavra durante o percurso. Ao chegarem, lançam seus objetos no interior do Poço da Renúncia ou abandonam em uma das alcovas. Esse ato simboliza a despedida da própria ilusão da posse.
Entre os ritos mais marcantes está o Rito da Apatia, realizado anualmente, durante o Festival dos Mortos. Nele, um agaxiano se oferece à Senhora da Carnificina e deve ser morto por alguém que o ama. Esse sacrifício encarna a prova máxima da fé na Deusa da Carnificina: demonstrar que até o amor, o mais feroz dos apegos, precisa ser renunciado. Quem se sacrifica na Apatia jamais é lembrado pelo nome, mas apenas como "aquele que prosseguiu".
Os Ritos de Sangue, mais cotidianos, oferecem animais à Rainha dos Corvos, como lembrança de que a ferocidade e o sangue também são sagrados. As entranhas desses animais são lidas sobre o Altar da Queda, guiando os agaxianos por sinais que Agax envia através da morte.
Assim, cada rito, seja no sangue do sacrifício, no amor despedaçado ou no eco que se prolonga pelas pedras, recorda que viver é soltar. E soltar, para os devotos de Agax, é a única forma de permanecer.
Congregação da Voz Liliana
“Soltar é lutar contra o que te agarra.”
A Congregação da Voz Liliana surgiu durante a Guerra dos Outros (1482 I.J. – 1485), inspirada pela figura de Lilia, uma sacerdotisa de Agax que rompeu com a ortodoxia dos Ocoários. Enquanto os corvinos pregavam a indiferença e a passividade diante da perda, Lilia defendia que soltar não era se submeter, mas resistir. Para ela, a verdadeira renúncia era um ato de libertação contra tudo que escraviza, desde correntes físicas até pactos injustos e fardos de memória. Perseguida como herege, tentaram silenciá-la, mas Lilia reuniu muitos seguidores em meio à guerra, pregando que aceitar a dissolução não significava ficar imóvel diante da opressão. Sua morte trágica em um suposto acidente mágico, durante as negociações de paz que puseram fim ao conflito, apenas intensificou sua influência. Em homenagem, sua cidade natal recebeu seu nome, e o tratado que selou a paz ficou conhecido como o Tratado de Lilia.
Os membros da Congregação se vestem com túnicas escuras com capuzes que se prolongam em um formato que lembra um bico de corvo, projetando a sombra da ave sobre o rosto. Cada membro carrega uma tatuagem ritual que representa uma mão cobrindo a própria boca, desenhada em linhas negras e retas, sempre em posição frontal. Algumas versões mostram a palma aberta, outras apenas os dedos, mas todas transmitem a mesma ideia: o silêncio imposto e ao mesmo tempo escolhido. Esse símbolo é o que diferencia os lilianos de qualquer outro fiel de Agax. Eles não podem esconder sua heresia sem cobrir o próprio rosto.
Embora mantenham vínculos com os ritos tradicionais, os lilianos os reinterpretaram em uma prática mais ativa e combativa, voltada não apenas à aceitação do fim, mas também à ruptura de correntes sociais e políticas. Para eles o Silêncio da Aceitação torna-se um gesto de resistência: cobrem a boca tatuada e permanecem imóveis diante de autoridades, transformando a renúncia em desafio. O Altar da Queda é usado para queimar contratos, títulos ou documentos de servidão, reafirmando As Três Quedas como libertação social. No Poço da Renúncia, caem correntes quebradas e símbolos de dominação, cada objeto lançado sendo um grito silencioso de liberdade. O Rito da Apatia é substituído pelo Rito do Sacrifício da Memória, em que um fiel renuncia publicamente a algo precioso de sua história, entregando-o ao vazio em nome da coletividade.
A Congregação é considerada herética pelos Ocoários de Agax, que acusam seus ritos de deturpar a essência da Deusa da Indiferença e de transformar a renúncia em política. Muitos lilianos foram caçados, mortos ou forçados ao silêncio. Ainda assim, a heresia persiste em segredo, espalhada por viajantes e pequenos círculos de fé, sustentada pela lembrança da sacerdotisa que ousou dizer que até a renúncia podia lutar.
Classificação de Poder:
Deus Corrompido.
Morada Divina:
Domínio de Gravenna — Thartan.
Aspectos Primordiais:
Aspectos Maiores:
Títulos:
Deus Corrompido.
Morada Divina:
Domínio de Gravenna — Thartan.
Aspectos Primordiais:
- Caos
Aspectos Maiores:
- Aceitação
- Carnificina
- Indiferença
- Renúncia
Títulos:
- Deusa da Indiferença
- Ave dos Mortos
- Mestra do Silêncio
- Rainha dos Corvos
- Senhora da Carnificina



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