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Capítulo 5 - A Coroa de Fohrn

A luxuosa carruagem avançava pela estrada na direção do Reino de Fohrn. Era um veículo gigantesco em cores preta e prata, puxado por dez cavalos. O interior era estofado e decorado com estampas florais, havia almofadas e cortinas nas várias janelas. O grupo se instalou e se dispôs pelo ambiente, tão logo o casal anfitrião lhes convidou a embarcar.
- Então, contem para nós - disse Antoniette puxando conversa. - Selar a Cavaleira Descartia no Teatro Lua Cheia? Que notícia incrível! Ludovic e eu quase não acreditamos quando Pirralho nos contou. É um ato de extrema coragem e bravura. Eu sinceramente nem sabia que isso era possível. - disse a dama olhando para Sebastian, Liandre e Carwin, sentados no banco à sua frente.
- Bem, estamos estudando as possibilidades… a missão é secreta, não me levem a mal… - Lorde Sebastian estava visivelmente desconfortável. Não apenas por estar espremido entre Liandre e a janela, mas também porque o assunto era de grande confidencialidade. Ludovic sorriu e olhou para a paisagem lá fora, entendendo o receio do convidado.
- Não se preocupem, nós somos nobres que trabalham na defesa do Reino de Fohrn. Mais cedo ou mais tarde, nós descobriríamos. A boa notícia é que queremos e vamos ajudar. - ele voltou seus olhos para o grupo - Veja, existe um mapa da instalação do Teatro, feito há cerca de dois mil anos pelo arquiteto engenheiro responsável, Alastor Lace. A arquitetura do Teatro influenciou muito a construção do nosso castelo, de modo que várias cópias estão guardadas na biblioteca real. - disse Ludovic. Ao perceber que havia captado a atenção dos convidados, fez uma pequena pausa e então continuou.
- É claro, ao longo dos séculos, dezenas de pessoas tentaram roubar os mapas do teatro, já que rumores dizem que um grande tesouro jaz lá dentro. Mas o Rei Fohrn é extremamente prudente, e somente com o aval dele é que algumas relíquias reais podem ser acessadas. Por sua vez, conseguir uma audiência com o rei pode levar meses, é preciso preencher muita papelada, uma burocracia para saber até qual é o sangue do seus avós - disse, com um pequena gargalhada.- E é aí que nós entramos.
Antoniette entendeu a deixa e se interpôs.
Como nobres da alta realeza, podemos circular à vontade na Corte do Rei. A família Label é responsável pela segurança do Rei há gerações, e tenho certeza de que se Ludovic explicar a magnitude e a importância da missão de vocês, vossa Alteza certamente os receberá. - explicou Antoniette.
A mãe de Antoniette, Madame Calarrock, é conselheira do Rei. Podemos pedir para ela intervir, falando que é mais seguro para o Reino deixar vocês entrarem no Teatro e tentarem selar a Cavaleira. Assim vocês terão acesso a uma região que é proibida pela lei real. - comentou Ludovic.
Houve uma pequena pausa. Os viajantes estavam perdidos em seus pensamentos, desconfianças e teorias. Carwin não se conteve.
Tá, mas e o que vocês ganham com tudo isso? Quero dizer, não quero parecer ingrato, mas vamos analisar a situação - o anão tirou Pirralho de seu colo e começou a gesticular, contando nos dedos cada um dos pontos de sua argumentação. - Vocês nos conheceram hoje, deram uma refeição para o Pirralho, nos deram carona na carruagem de vocês, e vão ajeitar essa visitinha com o Rei Fohrn para nós. Sem nenhuma segunda intenção ou sem pedir nada em troca? Nenhum favor? Nenhuma barganha? Só pela boa vontade de vossos corações? - Ele fez uma pausa rabugenta, e continuou. - Olha, eu venho de um reino que tem duendes, fênixes e unicórnios, mas nessa boa vontade de vocês está difícil de acreditar. - desabafou Carwin, que pareceu tirar um peso enorme de suas costas ao ter explicitado sua desconfiança.
Liandre e Sebastian permaneceram em silêncio, e olharam curiosamente para o casal anfitrião para analisar sua reação. Ludovic e Antoniette se olhavam e sorriam, como se já esperassem a reação do anão.
Seu receio é absolutamente legítimo, mestre anão. Bem, serei direta: se vencerem a Cavaleira, quero que anunciem para todo o mundo que as famílias Calarrock e Label ajudaram vocês. Queremos ser contribuintes diretos na construção de um mundo mais seguro para as próximas gerações, e nosso principal ganho está na paz que todo o planeta terá quando essa maldita inimiga for selada. - disse Antoniette.
Além disso, somos um casal jovem de filantropos, temos uma visão da política que transcende as fronteiras do Reino de Fohrn. Temos parentes em outros Estados, em outros mundos, e não somos provincianos, xenofóbicos ou contrários aos grupos de seres mágicos. Somos progressistas!!! - disse Ludovic, contente.
A maior parte do grupo de aventureiros não entendia nada de política, e as palavras do casal deixaram-os apenas mais confusos. Sebastian, que conhecia a corte do Reino de Khort e do Reino Magno, sabia que alguma coisa no discurso de Ludovic fazia sentido, mas ainda havia algo errado, que ele não conseguia perceber o que era.
A carruagem fez uma parada em uma taverna no fim da tarde, para que todos pudessem comer e beber um pouco. Nesse momento, Lorde Sebastian se aproximou de Kataranagi e pediu para ter uma conversa a sós com o monge.
Vocês monges, por acaso conseguem detectar perigos e mentiras? - perguntou Sebastian.
Alguns monges sim, mas depende do tipo de estudo que ele faz. Existem pelo menos quinze campos de artes môngicas diferentes, a que eu domino é a luta marcial e um pouco de projeção de chi. Mas o que lhe aflige Lorde Sebastian? Não está acreditando nos nobres que estão nos levando para Fohrn? - Perguntou Kataranagi.
Sim… quer dizer, não… não sei. Ninguém está se sentindo completamente confortável, e a história que eles nos contam é… convincente, mas não totalmente sólida… - Sebastian olhou para o casal, que descia da carruagem conversando animadamente com Liandre e Pirralho.
De fato, achar pessoas boas é algo raro, em qualquer um dos dezesseis mundos. Ainda mais se são nobres, em relação a estranhos estrangeiros. Por mais que devamos pregar a fé na bondade e nas virtudes humanas, não devemos ser ingênuos. Quando chegarmos ao Castelo de Fohrn, ficaremos atentos. Devemos ser gratos à Ludovic e Antoniette, mas não vamos baixar a guarda.
Kataranagi se afastou de Sebastian, e depois Aaron veio até o nobre mecenas da missão. Aaron havia sentado com o cocheiro na parte externa da carruagem, e não acompanhara as conversas.
- E então, como está o diálogo com nossos interlocutores na corte? - perguntou o rapaz.
Eles são muito solícitos, eu diria que até demais… O que você sabe sobre as família “Calarrock” e “Label”? - perguntou Sebastian.
Aaron pensou por um instante.
- São famílias muito antigas, posso afirmar que existem há mais de dois mil anos, sem mudar o sobrenome. Faziam parte da República de Androsphera, mas toda sua glória já acabou faz uns trezentos anos no mínimo. Hoje em dia prestam serviços aos monarcas, e vivem nas cidadelas reais. Eles não tem fazendas nem grandes posses. O negócio deles são serviços e favores, se é que me entende. - explicou Aaron.
- E você acha seguro seguirmos com eles?
- É mais seguro que seguir sozinhos. E além do mais, se ficarmos em débito, não necessariamente precisamos pagar. Não firmamos contrato nem nada assim, então é a palavra de seis contra dois. - disse Aaron.
Não quero abrir mão das benesses que estamos recebendo, mas ainda sim. minha cabeça está tempestuosa. - comentou Sebastian.
- Vá comer e descansar senhor. Tenha um pouco de fé na bondade dos nobres. Além disso estamos todos atentos: não seremos manipulados por ninguém. - disse Aaron, piscando e tomando um gole de algo gelado que fora servido em um caneco.
Após a parada curta para descanso, a viagem continuou. Liandre e Antoniette conversavam sobre luxuosos itens mágicos usados por damas, como brincos de Esmeralda que permitiam comunicação mental, ou gargantilhas hipnotizadoras. Ludovic parecia gostar de ouvir a mulher entusiasmada falar sobre os luxos da corte, e seu semblante era sempre pacífico e sorridente. Quando o sol começou a se pôr no horizonte, chegaram ao Castelo de Fohrn, capital do reino homônimo.
O castelo era uma construção gigantesca. Dezenas e dezenas de torres, uma muralha tão alta e fechada que nem mesmo um dragão a atravessaria. A arquitetura era verticalizada, como se o reino crescesse para cima. Havia poucas janelas e sacadas, e apenas uma grande ponte levadiça oferecia passagem sobre o grande fosso. Aliás, o fosso era extenso como um grande lago, e o único ponto em que se estreitava era na área da ponte levadiça. O Castelo de Fohrn parecia ser um grande cofre, escuro, fechado, e muito seguro, ao menos tentava parecer. Alguns barcos voadores flutuavam sobre torres laterais enquanto outros estavam ancorados no lago em redor da muralha. Tratava-se de um reino complexo e muito denso.
Atravessaram a ponte levadiça e entraram no castelo por seu portão sul. O interior das muralhas era muito escuro, e grandes corredores com tetos muito altos davam ao local um aspecto de masmorra. Algumas galerias internas eram tão grandes, que sobrados foram construídos anexados às paredes, de modo que cada salão parecia conter uma pequena vila. A carruagem finalmente chegou a uma avenida coberta, e Ludovic fez sinal para todos descerem. Antoniette permaneceu na carruagem.
- Vou falar com mamãe, imediatamente. Cuide deles Lud, te amo meu príncipe encantado, até depois! - disse Antoniette se despedindo do esposo e do grupo.
Ludovic conduziu o grupo até um sobrado de madeira e pedra branca, que embora estivesse na parte interna do castelo, tinha telhado e janelas. Chama-se “Bar e Hospedaria do Rei Coroado”.
-Bem, esta é uma das melhores hospedarias da cidadela, tenho certeza que vocês ficarão em boas mãos. Vocês tem dinheiro para pagar a hospedagem?
Sebastian e Aaron assentiram com a cabeça.
- Perfeitamente. Nesse caso, vejo vocês amanhã pela manhã, bem cedo. Irei até a Biblioteca Real ainda hoje, antes que ela encerre o atendimento. Pedirei para separarem o tomo do mapa do Teatro e enviarem ao Palácio. Aí amanhã de manhã, conseguimos a audiência com o rei para a entrega do documento.
O grupo se despediu de Ludovic e então fizeram boa ceia, seguida de um bom descanso. Lorde Sebastian resolveu pagar tudo de seu bolso ao invés de permitir que Aaron usasse o nome e o dinheiro de Joshua Croft. Os quartos duplos tinham camas grandes e grandes edredons, feitos com penas de aves diversas muito bem decoradas. O cheiro das habitações era agradável, com velas aromáticas acesas. As janelas davam para a avenida coberta no interior do palácio, mas ainda sim, tratava-se de um lugar aconchegante. A estadia na hospedaria ainda permitia um banho quente e um café da manhã, tudo isso ao preço de oitenta moedas por quarto.
No dia seguinte, a carruagem de Ludovic veio buscar os seis logo após o desjejum. O nobre estava no interior do veículo, usando uma casaco azul com detalhes prateados, extremamente bem feito. Em seu colo trazia um tipo de casaco com capuz, mais simples, de cores bem escuras. Quando todos embarcaram, ele começou a ditar as instruções.
- O Rei Fohrn é conhecido como “o cauteloso”, e isso se deve ao fato dos vários esquemas de segurança que ele adotou para preservar sua vida e seu tesouro. Portanto, quando estiverem na presença dele, é muito importante que atentem para suas palavras e ações.
- Lá vem… - disse Carwin.
- Fohrn, o Covarde? - disse Piralho, fazendo troça em voz baixa.
- Shhh… prestem atenção vocês dois - disse Sebastian, sério.
- Muito bem. Em primeiro lugar, mantenham-se distantes do Rei e de toda sua corte. Como vocês são estrangeiros, devem permanecer em silêncio e falar apenas quando forem chamados. Nada de música ou feitiços, isso é absolutamente proibido. Não façam movimentos bruscos. Armas devem ser deixadas na parte de fora do salão, ou manter-se sempre embainhadas, pois é proibidos erguer armas na presença do rei. Deve-se falar clara e objetivamente, com boa dicção. Respondam tudo o que ele perguntar, de forma muito clara e objetiva. Não toquem em nenhum artefato exposto, nem no expositor, nem nas cortinas, nem em nada, se preferirem. Aceitem e bebam de bom grado toda e qualquer comida ou bebida que lhe for servida, sem questionar. Evitem conversar entre si, pois seria muito rude. Ah, e no caso de vocês, recomendo que usem claramente os nomes dos Croft e da Cavaleira que pretendem selar. Deixar tudo bem claro, em panos limpos. Entenderam?
Perfeitamente senhor Ludovic. Nós faremos tudo conforme suas orientações, não é mesmo pessoal? - disse Sebastian. O restante do grupo apenas ficou em silêncio.
Após alguns minutos, chegam a uma grande escadaria, que ascendia para um palacete interno, protegido por um segundo lago. Ali, uma dezena de sentinelas fazia a proteção do perímetro. Quando o veículo parou e Ludovic desceu, os soldados assumiram forma. Ele fez um sinal para Sebastian e os outros, chamando-os para acompanhá-lo.
Assim, Lorde Sebastian e sua comitiva, formada por Aaron, Kataranagi, Carwin, Pirralho e Liandre acompanharam Ludovic Label para o interior do Palacete de Fohrn, que ficava cercado por um fosso, dentro do Castelo de Fohrn, que também era cercado por outro fosso. O grupo chegou a um grande salão, onde várias relíquias e artefatos brilhavam próximos às paredes. Tal exposição era protegida por uma dezena de sentinelas. Ludovic ignorava tudo isso e seguia para um canto escuro do aposento, onde girou um candelabro preso à parede. Uma porta oculta se abriu, revelando uma escada larga que ia para os andares subterrâneos.
Depois de percorrer a escada por uma centena de metros, chegaram a um grande corredor, que tinha formato circular. Eles continuaram seguindo o senhor Label, até que este se aproximou de uma parede externa, e girou outro candelabro. Uma nova porta oculta se abriu, revelando o que parecia ser finalmente, a sala do trono.
Ludovic e os aventureiros chegaram ao Salão Real no meio de um evento social. Um salão muito alto, iluminado por uma estranha luz natural que parecia vir da superfície. Grandes cortinas cobriam as paredes daquele local subterrâneo, bordadas em uma cor vermelha visceral, adornada por muitas figuras dracônicas. Cerca de trinta pessoas estavam sentadas em uma longa mesa, enquanto outras estavam em pé, conversando em pequenos grupos. O Rei Fohrn estava em pé, comendo próximo a mesa de petiscos. Juntamente com ele, um homem jovem de cabelos castanhos, muito belo e bem vestido. Imediatamente, Liandre se afeiçoou ao interlocutor do rei. Enquanto o grupo atravessava o salão, a multidão emudecia, abrindo espaço para que os estrangeiros passassem.
Atrás do Rei estava o trono, uma bela cadeira grandiosa decorada com dezenas de metais e gemas preciosas. Em frente ao trono, havia um pequeno pilar de rocha de cerca de um metro e meio de altura. Sobre o pilar, estava uma coroa prateada, muito brilhante e belamente adornada, protegida por uma redoma de vidro. O jovem nobre parou de falar com Fohrn ao perceber o grupo se aproximando, e o Rei direcionou seu olhar para eles.
O Rei Fohrn era um homem muito velho, com uma longa barba e uma grande armadura. Parecia estar desconfortável, mas ainda sim, protegido. Em sua bainha, uma longa espada, e em suas costas, um grosso escudo. O homem parecia um soldado velho, que era identificado como rei apenas por um singelo adorno de ouro que usava sobre a cabeça.
- Meu grandioso e poderoso Rei Fohrn, nossa sumidade maior! Rogo perdão por tamanha irrupção em seu desjejum, meu senhor. Mas, eu trago comigo um assunto que é da mais… - Ludovic foi interrompido pelo Rei.
- Lorde Ludovic Label, devo admoestá-lo quanto a necessidade de um pedido formal de audiência para comigo? Agora mesmo, este jovem pirata, o capitão Sceledrus, discutia comigo assuntos de natureza belicosa, não me obrigue a renuir sua presença… disse o rei, mostrando-se incomodado e impaciente.
Trata-se de um tema recôndito majestade, sobre a segurança de todo o nosso mundo! Mais ainda, de todos os dezesseis mundos! Mas não almejo ser grazina. Desejo apresentar-lhes os viajantes que me informaram da dimensão dessa situação.
- Meu senhor - disse uma mulher de cabelos cacheados, com uma pinta na bochecha e muita maquiagem na cara. Aparentava ter cerca de cinquenta anos, e usava um longo vestido rosa. - Houve uma mudança na sua agenda, aparentemente Ludovic havia requerido a audiência antes do senhor Sceledrus Lovelace.
- Ah.. que terrível infortúnio, Madame Calarrock - disse o Rei, desapontado. - Bem, sr. Lovelace, se puder esperar, podemos continuar a discutir sobre a praga do rio em breve.
O jovem pirata assentiu com a cabeça mas torceu o rosto para Madame Calarrock. Ele se sentou em uma cadeira próxima e começou a comer um pão, em silêncio, encarando toda aquela situação de forma analítica e séria. Liandre aproveitou-se da comoção e aproximou-se do pirata, sentando-se ao seu lado.
- Oi, com licença… não pude deixar de ouvir que seu sobrenome é Lovelace! - disse a sereiana sorrindo - por acaso você é parente de Adabelle Lovelace, ou da Guardiã Ada? - perguntou.
- Sim, elas são minhas irmãs mais velhas. Eu sou o caçula, que decidiu sair da corte e virar um corsário. - respondeu Sceledrus.
- Que incrível! Eu sou muito amiga das suas irmãs! E você navega? Eu sou apaixonada pelos mares! Como se chama seu barco?
- Sim, eu também amo o mar… meu barco chama-se “o Enxadrista”...
- Ha-ham… - Kataranagi fingiu um pigarro com a garganta para interromper a conversa paralela dos dois. O rei estava sendo convencido por Madame Calarrock e Ludovic a conhecer o grupo de viajantes e ouvir sobre sua aventura.
- Não se arrependerá de ato tão beneplácito vossa alteza! - dizia Ludovic - Então, permita-me lhe apresentar o senhor Sebastian Barka, nobre do Reino de Khort, integrante da Confederação do Reino Magno, vindo diretamente do Primeiro Mundo, e seus súditos! - o nobre Label fazia gestos largos e pomposos. - Feitas as apresentações, vou observar à distância, meu senhor.
- Pois bem, Ludovic, muito obrigado por esta introdução. Celeste, pode servir a limonada para os convidados? Ah sim, muito obrigado. - o rei fez uma pausa, e enquanto todos bebiam a limonada, ele continuou. - Então, senhor Sebastian e companhia, qual o objetivo de sua curta passagem pelo meu reino? - disse o Rei Fohrn. Ludovic afastou-se do grupo e retirou-se para o canto da sala.
- Magnífico Rei Fohrn, senhor destas terras e sábio rei - iniciou Sebastian, percorrendo todo o vocabulário mais rebuscado que conseguisse encontrar. - Viemos rogar por sua assistência, referente a uma missão que estamos desempenhando para uma gama de Reis do Primeiro Mundo, terra conhecida como Reino Magno. Precisamos de sua anuência para percorrer suas terras e também, por obséquio, de uma cópia de uma planta arquitetônica específica, que está muito bem guardada em vosso reino. Nossa missão tem apoio de diversas casas nobres e tem a graça dos guardiões. Acompanham-me bravos guerreiros, como o monge Kataranagi, o bardo Pirralho, o ferreiro Carwin, o arqueiro Aaron e a sereiana cantora Liandre. Nossa missão requer apoio local, e portanto rogamos por sua colaboração. Se vós permitirdes, passaremos a lista de itens necessários a seus servos, e então partiremos em paz, para nunca mais lhe incomodar.
- E o que exatamente vocês querem fazer? - perguntou Fohrn, objetivamente.
Sebastian ficou receoso. Ele sabia que as próximas palavras poderiam mudar toda a percepção do rei sobre a história, poderiam revelá-los para toda aquela corte… mas ele também não poderia mentir. Ele nem conseguiria fazê-lo. Alguma coisa na bebida empurrava-o para falar sobre todo o plano, todos os detalhes, sem omitir nada… teria sido envenenado? Diante da pressão da situação, tentou falar pouco.
- Vamos selar a Cavaleira Descartia no Teatro Lua Cheia, para sempre.
A frase escandalizou a multidão de nobres. Um falatório começou e alegações diversas sobre a intenção do grupo foram disparadas. As pessoas da corte cercaram Sebastian enchendo-o de acusações de loucura e irresponsabilidade.
- BASTA! - disse o rei. E todos se afastaram. Pirralho e Liandre enchiam a pança na mesa do desjejum, enquanto Carwin e Kataranagi não descolaram de Sebastian. Visivelmente irritado, o rei continuou com perguntas pontuais.
- E o que exatamente vocês precisam de nós?
Recursos. O Mapa do Teatro. Permissão para trafegar pela região. Todo e qualquer poder que possam nos fornecer para ajudar na missão. - disse Barka. Ele foi interrompido por Liandre.
- Sebastian, o que pensa que está fazendo! Não foi você que disse que deveríamos ser cautelosos!?
O nobre homem a olhou como quem estava confuso e sem entender direito como as palavras estavam saindo da sua boca.
- Senhorita… seria possível que você não tenha tocado em sua bebida? Teria recusado nossa deliciosa limonada? - perguntou Madame Calarrock encarando Liandre.
- Eu não posso beber isso. Estou sob efeito de poção, sou uma sereiana. Se eu beber qualquer coisa que eu não saiba a fonte, pode reagir mal e vocês vão ter que me levar para o mar às pressas. - respondeu a sereia. O comentário de Liandre foi extremamente mal interpretado e cochichos preencheram o salão. Palavras como “absurdo”, “arrogante”, “pedante” começaram a ser ouvidas.
- Bem que estranhei o pedido de trazer uma cópia da planta do teatro para cá - disse o rei apontando para uma mesa na parede esquerda do salão. Ali, havia uma bolsa de couro, e dentro dela, um tubo metálico de armazenamento de pergaminho. A bolsa estava fechada com uma abotoadura do reino de Fohrn, mas o tubo era maior que suas dimensões, de modo que ela parecia uma sacola de pano.
- Vossa Alteza, não nos entenda errado, o plano é para um bem maior! Temos o apoio dos reinos de Yudá, Armenincus, até mesmo de Joshua Croft! - tentou argumentar Aaron.
- Joshua Croft!? Da família amaldiçoada!? Aquele que é irmão de um Cavaleiro das Trevas? Aquele que é um ritualista poderoso, que muitos dizem praticar bruxarias!? Mas isso é um disparate! - exclamou Madame Calarrock.
- Os Croft são boa gente. Minha irmã é esposa de Joshua Croft. - disse Sceledrus, erguendo a voz. Liandre sorriu para ele, como quem agradecia pela gentileza da confirmação. Ele retribuiu.
- Então você e sua família continuam sendo traidores do Império! - disse Madame Calarrock. - Vossa alteza, estas pessoas são perigosas! Primeiro eles vem com a ideia de mexer no vespeiro chamado “Teatro Lua Cheia”. Depois trazem os inimigos do Império, estrangeiros e ocultistas, além de amaldiçoados e traidores! E esse pirata… os Croft… os Lovelace… famílias de sangue sujo que já nos traíram várias vezes ao longo dos séculos! - Esbravejava teatralmente a senhora.
- Espere, sra. Calarrock. Ao menos, eu tenho que terminar de ouví-los. Não obstante, quero que alerte… - o rei foi interrompido. As cortinas do aposento se fecharam de súbito, deixando todos no escuro por alguns segundos. A voz de Ludovic pode ser ouvida.
- Guardas! Guardas! Abram as cortinas imediatamente! - ele dizia.
Quando as cortinas foram abertas e a luz do dia penetrou no salão, o Rei estava pálido e muito nervoso. Em volta dele, vários nobres se arrebanharam com medo do que poderia ter acontecido. Ninguém entendeu como e o que se passara. Madame Calarrock, assustada, apontou para Liandre.
- É ela! Uma bruxa barda, sussurrando encantos para nos enfeitiçar! São eles, ladrões! Assassinos! Delinquentes! Terroristas!!!
- O que… o que está acontecendo… - perguntava-se Fohrn, tomado pelo medo. Ele percorreu seus olhos pelo lugar, e percebeu que a coroa na redoma de vidro havia desaparecido. - minha coroa! ALGUÉM PEGOU MINHA COROA!
Acusasões foram trocadas entre todos os presentes. Nobres, guardas e estrangeiros agora se ofendiam com desconfiança.
Enquanto isso, Pirralho imaginou que toda aquela situação estava prestes a dar muito errado. Ele engatinhou silenciosamente até a mesa onde estava a bolsa de couro com a planta do teatro. Puxou a alça vagarosamente, para pegar o material sem fazer barulho. Quando a bolsa caiu, um forte som metálico soou de dentro dela. Não era apenas o som abafado do tubo, mas algo mais. Com a queda, a abotoadura se afrouxou e a bolsa se abriu. A bela coroa prateada de Fohrn caiu de dentro dela.
O som metálico da queda da coroa chamou a atenção de todos para Pirralho e sua pequena cena. Sebastian, Kataranagi, Liandre, Carwin e Aaron ficaram paralisados ao ver a situação. O impacto da cena foi pior no homem que todos acreditavam que era o rei. Ele emitiu as seguintes palavras:
- Senhor, acho que estão roubando sua coroa...
Um dos nobres que estava no salão, um homem de cabelos grisalhos e vestes parcas cerrou os olhos, inspirou fundo e disse:
- Ele está roubando minha coroa… PEGUEM AQUELE DUENDE IMEDIATAMENTE!!! - E assim, a verdadeira identidade de Fohrn, o Cauteloso, era revelada. Os guardas avançaram contra Pirralho, que colocou a coroa dentro da bolsa e disparou para trás das cortinas, procurando uma saída.
- Vamos embora daqui! Agora! - gritou Sebastian, e foi imediatamente atendido pelos colegas de grupo. Os cinco correram para a porta, que estava protegida por sentinelas. Kataranagi invocou a força de seu chi, e seus punhos foram revestidos por energia na forma de patas de leão. Carwin usou toda sua força para marretar a porta e abri-la, enquanto o rei gritava “Sentinelas! Sentinelas! Prendam-os!”. Sceledrus e Sebastian davam cobertura para Liandre, que tentava correr de vestido e salto alto.
Atrás das cortinas, Pirralho encontrou Antoniette. A nobre estava encapuzada próxima à parede, e se surpreendeu ao ser descoberta pelo pequeno. Sem perder a chance, ele sussurrou “me tire daqui ou eu grito”.
Antoniette sorriu a contragosto e levou Pirralho para uma passagem secreta atrás de um dos pilares do salão. A passagem os levou para a rua em frente a escadaria, onde vários sentinelas permaneciam inertes.
- Vocês não vão conseguir chegar muito longe… há uma pousada na estrada que vai para o Teatro, me encontrem lá e eu ajudarei vocês a fugir! Agora me entregue a bolsa! - disse Antoniette para Pirralho.
- Não entrego não… o que você quer com a planta do teatro? - Perguntou o duende.
- Eu não quero a droga da planta! - disse ela raivosa, mas logo voltou a sorrir calma - quero me entregue a coroa, para que eu possa devolver para o rei e explicar esse mal entendido.
Pirralho estava confuso, mas sabia que precisava tirar os sentinelas da escadaria para dar chance de fuga aos seus amigos.
- Só se você me ajudar e distrair esses sentinelas. Aí te entrego a coroa e nós vamos embora daqui. - argumentou o pequenino.
Como os olhos flamejantes de raiva, Antoniette sorriu. “Claro”, ela disse, e saiu das sombras para se dirigir aos guardas. Pirralho a viu se aproximando dos soldados enfileirados exclamando algo que não conseguiu entender. A mulher guiou os homens, que rapidamente a seguiram pela passagem por onde ela e o duende haviam fugido. Pouco segundos depois, Carwin e Kataranagi apareciam no alto da escada, completamente cobertos por pequenos ferimentos e poeira. A dupla era seguida por Liandre, que corria juntamente com Sebastian e o pirata Sceledrus Lovelace. Pirralho se revelou para eles, dando risada e exibindo a bolsa com os itens preciosos dentro.
- Para onde vamos agora? - perguntou Kataranagi ao chegarem no pé da escada.
- Para o meu barco, está no porto do Portão Leste. Vamos rápido! - falou Sceledrus, correndo para dentro da feira livre da cidadela. Sebastian pegou a bolsa de Pirralho, e Liandre dirigiu-se ao duende.
- Pirralho, se nos encontrarem, não chegaremos ao porto. É hora de uma boa música! Conhece “No Mercado de Bellaqua”?
O duende tirou uma flauta do bolso e começou a tocar uma agitada melodia. Enquanto o grupo corria pelo mercado, a música tocava e Liandre cantava:
É o perfume da madame
É o casaco do bandido
A multidão é um enxame
E eu fugindo do meu marido
Nem os sabores da cidade
Nem o dinheiro do falecido
Meu amor é a liberdade
Prazer ter lhe conhecido
Volte lá para seu amado bordel
Volte lá para sua eterna festa
Enquanto navegarei entre mundos
Pela manhã da próxima Cresta
E enquanto a música mágica encobria os vestígios e protegia os rastros dos aventureiros que fugiam do Castelo de Fohrn, Ludovic Label e Antoniette Calarrock armavam um plano para recuperar a Coroa de Fohrn roubada que eles haviam perdido.

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