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Capítulo 4 – Perseguição na planície de Federard

- Sem dúvida, é uma missão suicida. – Disse o senhor Croft, enquanto bebericava uma xícara de chá. – O lugar para onde vocês pretendem ir é cheio de armadilhas e maldições. Selar uma Cavaleira como Descartia é um feito que não têm precedentes. Vocês têm grandes chances de fracassar e pior do que isso, podem morrer.
- Mais chá, senhor Croft? – perguntou a governanta.
- Por favor, Hildegard – disse o homem sentado na poltrona, estendendo sua xícara. Ele parecia pensativo, e encarava seriamente os convidados, como se os desafiasse a ser convencido.
- Suas palavras otimistas comovem... Um pouco de fé não faria mal sabe... Não somos tolos nem suicidas, estamos aqui porque acreditamos na missão. Não viajaríamos por dois mundos inteiros para morrer. Estamos sendo cautelosos, e vamos explorar o lugar antes de tomar qualquer decisão. – comentou o monge Kataranagi.
- Somos uma força tarefa de elite, enviados pelos reis do Primeiro Mundo para selar a Cavaleira Amaldiçoada. Não podemos nem pensar em ter medo. Seremos inteligentes, hábeis e sérios. Por favor, ajude-nos Croft, antigo Arqueiro de Yudá. Essa missão trará paz aos mundos atormentados por ela, interrompendo um ciclo de dor e morte que só aumenta a cada geração. – disse Liandre, esperançosa de que suas palavras tocariam o nobre.
- Esperança tola é pior do que um veneno de saporalho. – disse Croft sério. – Mas ainda sim, honrarei minha aliança com o Reino de Yudá e com meus velhos amigos do Primeiro Mundo. Se vocês querem viajar até o Teatro Lua Cheia, então que assim seja. – ele bebeu mais um pouco do chá e continuou - Disponibilizarei recursos, empregados e minha carruagem mais veloz. Também uma carta cunhada, dando permissão para vocês cruzarem as fronteiras dos reinos até lá.
- Seremos grandemente agradecidos, Lorde Croft. – disse Sebastian – Quando tudo isso for terminado, farei o possível para retribuir tamanho apoio. Esses homens e sereia que me acompanham são extremamente corajosos e tem noção do risco que vem a frente. Certamente estamos preparados. – falou o nobre sorrindo para seus correligionários.
- Que assim seja. Hildegard, avise à Aaron Spoilar que ele acompanhará um grupo de viajantes até o Reino de Fohrn. Amanhã cedo ele deve se apresentar com sua melhor carruagem. – ordenou o homem à sua empregada. Ela assentiu com a cabeça e retirou-se do salão da lareira.
- Bem, se me derem licença, eu vou para cama. Fiquem a vontade na mansão, se precisarem de qualquer coisa podem pedir à Hildegard, Abigail ou Adalgiza, são excelentes empregadas que darão um jeito para ajudá-los. – Croft levantou-se da poltrona, arrumou-se em frente a um espelho e despediu-se de todos.
- Ao menos vamos dormir numa mansão de luxo... será que todas as camas são luxuosas? – imaginou Pirralho, pensando em voz alta. Liandre e Carwin sorriram.
- Que rude avaliar sua estadia aqui a partir da qualidade dos móveis, pequeno duende.
Uma voz que parecia vir do mesmo ambiente onde todos estavam falou diretamente com Pirralho.
- Quem está aí? – Perguntou Carwin, levantando-se do sofá com o seu martelo em mãos.
- Nós estamos – disse o relógio cuco na parede.
O grupo se espantou a perceber que os móveis da Sala de Visitas começaram a se mover. A mesa, os sofás, o relógio, os quadros e até mesmo alguns jarros de flores. Todos os móveis aproveitaram a saída do mestre da casa e começaram a fofocar cochichos sobre os convidados.
- Okay, isso é demais para mim. Moça, onde é o meu quarto? – perguntou Carwin à empregada mais nova, que lhes observava.
- É, vamos dormir. Uma noite boa de sono vai fazer esse enjoo chato passar – comentou Kataranagi.
Na manhã seguinte, foi oferecido um farto café da manhã. A senhora Adabelle Croft preparou pacotes de frutas e pães, para a viagem que o grupo faria. Também, conheceram o jovem Aaron – um jovem de cabelos pretos e roupa escura, com aparência vampiresca e olheiras profundas. Usava um capuz que cobria sua testa, e sua pele era pálida e cinzenta.
- Este é Aaron, um dos meus mais recentes associados. Ele faz parte de uma família antiga de comerciantes carroceiros, com quem eu tinha uma dívida. Agora ele ocupa um bom emprego aqui nas nossas propriedades, e vai lhes ajudar em meu nome. Aaron é um conhecedor das rotas comerciais do Terceiro Mundo, e sabe quais são as melhores estradas para chegarem até o Reino de Fohrn.
- Muito prazer, digníssimos. Sou Aaron Spoilar. Serei seu guia na viagem até o Reino de Fohrn. – disse o jovem, com voz muito calma.
- Muito prazer Aaron!!! Nós somos o grupo que vai selar a Cavaleira Descartia!!! – Exclamou Pirralho entusiasmado.
- PIRRALHO! – disseram os outros, levando a mão a testa e fazendo caras de desaprovação.
- Você não pode simplesmente chegar para qualquer pessoa que a gente conhece e dizer que vamos sair selando cavaleiros por aí! – Repreendeu Carwin.
- Bem, não sou bem “qualquer pessoa” e já que vou levá-los até o lugar designado, acredito que é justo que eu saiba do que se trata. – contestou Aaron.
- Ainda sim se trata de uma missão secreta. Não podemos sair dizendo o que vamos fazer, os boatos correm e os Cavaleiros das Trevas podem enviar forças para nos impedir. Já é uma tarefa difícil por si só, e ajudaria muito se não ficássemos tagarelando por aí sobre o que planejamos... – respondeu Carwin.
- Lorde Sebastian, tem certeza que estes são os aventureiros que vão lhe acompanhar em jornada para o Terceiro Mundo? Eles me parecem um tanto... – Aaron olhou Carwin de cima abaixo – amedrontados, eu diria.
- QUEM VOCÊ ESTÁ CHAMANDO DE COVARDE? – esbravejou Carwin, partindo para cima do jovem. Kataranagi e Liandre o seguraram. – Eu sou CARWIN, o melhor ferreiro de Armenincus, quiçá, DO PRIMEIRO MUNDO INTEIRO, e quem é você para chegar aqui destratando a gente assim hein?
- Pelo visto é descontrolado também, além de amedrontado. – ironizou Aaron, para provocá-lo ainda mais.
- Basta! – disse Sebastian em tom sério. – Não se trata de medo, e sim de cautela. Ter discrição é essencial para que os inimigos não possam responder às suas iniciativas. Além do mais, não podemos simplesmente sair contando nosso objetivo assim, e isso vale para você pequeno bardo. Precisamos confiar uns nos outros para atingirmos essa glória, do contrário perderemos a vida. - O nobre apontou para a carruagem e indicou que o grupo embarcasse. – Senhor Aaron, qual será nosso itinerário?
O jovem tirou um pequeno mapa de dentro do casaco e mostrou ao nobre.
- Bem, hoje durante o dia avançaremos pelos penhascos do Reino de Federard até o Rio dos Seixos Brancos. Seguiremos pelas chapadas e amanhã pernoitaremos na Taverna do Kyle, no Reino de Gront, o Sábio. Depois seguiremos para o leste até as fazendas O’Conner, e então rumaremos para o sul, pela estrada real. Provavelmente chegaremos ao castelo de Fohrn daqui a quatro dias. De lá, partiremos para o sudeste, em direção ao Teatro Anfilunar. – explicou Aaron,
- Parece muito bom para mim, embora eu conheça pouco destas terras. Espero que façamos uma viagem discreta e tranquila. – disse Sebastian.
Pouco tempo depois, despediram-se da terra dos Croft em direção ao leste. Liandre, Kataranagi e Sebastian iam sentados na cabine enquanto Carwin e Pirralho seguiam junto do cocheiro Aaron, em um silêncio tumular. Cavalgaram pelas estradas tranquilas que cortavam as fazendas da costa, repletas de paisagens belas e bucólicas, vinhedos e pomares que decoravam várias propriedades. A viagem seguiu tranquila até a região da fronteira.
Depois do posto de vigia, entraram em Federard. Tratava-se de uma região cheia de chapadas e campos, com estradas que buscavam o melhor caminho entre os montes de topo plano. Lá em cima, lugarejos e pequenas propriedades indicavam que o povo de Federard vivia nas alturas, deixando as estradas para os estrangeiros que precisavam passar por ali. A travessia por entre os montes duraria muito tempo, de modo que precisaram parar durante o pôr do sol, para montar um acampamento.
Lorde Sebastian fez a fogueira, enquanto Aaron dava atenção aos cavalos. Kataranagi preparou uma refeição juntamente com Liandre, enquanto Carwin e Pirralho montavam as barracas e limpavam os sacos de dormir. Comeram ensopado de legumes e uma carne cozida ainda em bom estado, preparada pela senhora Adabelle. Pirralho e Liandre performaram uma canção chamada Ode ao Patrício Perneta, que contava a história de uma senhora que se apaixonava por um homem manco. Várias gargalhadas depois, o clima no acampamento era tranquilo.
Apesar de tudo, Carwin permanecia quieto, olhando para as colinas. Aaron percebeu, e cutucou Sebastian, apontando para o anão distraído.
- Está tudo bem Carwin? Você mal falou durante o jantar... tem algo errado? – Perguntou Sebastian.
- Não há nada errado. E isso está errado. – falou o anão de forma firme, mantendo o olhar na paisagem. – Está fácil demais. Meu martelo não se sujou de sangue nenhuma vez desde que saí de Armenincus. E estou com um mau pressentimento, sobre este Império que estamos para entrar.
- Sua desconfiança tem fundamento – concordou Aaron. – Poucos lugares tem tantos golpistas e larápios quanto o Terceiro Mundo, ou Litoral Andoriano, como os locais preferem chamá-lo. O imperador é um poderoso arcano, mas criou uma nobreza cheia de serpentes em volta de si. Poucos nobres da região são confiáveis, e para piorar, os conflitos com os seres das florestas se agravam a cada dia. – o jovem bebericou seu ensopado, e continuou – Caravanas e comerciantes têm sido atacados aqui nas estradas do oeste imperial, roubam ouro e mantimentos. Mas não temos muito a oferecer, então não acho que nos atacariam, correndo o risco de perder um ou dois capangas só para conseguir a carruagem do senhor Croft.
- Assim esperamos... eu vou meditar, e então poderei ficar com a primeira vigia. Vou tentar usar meu chi para detectar a aproximação de estranhos. – anunciou Kataranagi.
O grupo assentiu com a cabeça e então terminaram a refeição, em silêncio que pensava, e olhares que se dirigiam também desconfiados para a paisagem. Aos poucos, a alegria do jantar se dissipou e a cautela do anão espalhou-se para todos.
Kataranagi sentou-se sobre a carruagem, enquanto seus companheiros dormiam no chão (Liandre ficou dentro da carruagem, a despeito de sua privacidade). A fogueira foi apagada e as estrelas tomaram conta do céu. O grupo adormeceu, enquanto o monge mantinha-se em guarda.
Passaram-se duas horas.
- Acordem! Acordem! Tem algo vindo do norte! – gritou Kataranagi. As cabeças se ergueram, Pirralho tropeçou na pilha de cinzas da fogueira, Carwin e Sebastian se puseram de pé e correram até suas armas. Aaron acordou Liandre, e subiu na carruagem.
- O que houve? Não enxergo nada além da escuridão. – falou a sereia.
- O monge sentiu alguma coisa vindo do norte. – disse Pirralho.
- Alguma coisa não, algumas coisas! Sinto um grupo vigoroso e alguém com muito poder mágico se aproximando. Estão vindo de lá, sobre aquele monte. – indicou Kataranagi.
Uivos longos preencheram os penhascos e o vale onde a carruagem estava. Uma silhueta apareceu voando sobre a chapada norte, uma forma que parecia ser um rato gigante. Abaixo dele, dezenas de criaturas que pareciam lobos, mas eram muito maiores do que canídeos comuns, estavam armados e caminhavam sobre duas patas.
- São os Lobisomens Brancos do Vale de Lértur! – afirmou Aaron. – São inimigos do Império, e provavelmente estão procurando alguém para assaltar.
- E aquele rato voando? – perguntou Pirralho.
- Parece ser Feng, o Arcano Sujo. Ele é um antigo inimigo do Imperador, mas não sabia que estava associado com os lobisomens do vale.
- Como assim lobisomens? Nem estamos em Lua Cheia! E eles tem armas!? E parecem bem conscientes do que estão fazendo!!! – Indagou Liandre.
- Não são bem licantropos – respondeu Aaron enquanto o grupo apressadamente desmontava o acampamento e jogava os pertences dentro da carruagem. – São um povo lobo guerreiro que é inteligente e mata viajantes. Satisfeita? – o jovem pareceu impaciente.
- Não temos tempo para discutir a natureza do inimigo. Todos estão prontos? Kataranagi, eles nos avistaram? – Perguntou Sebastian.
- Creio que não senhor, mas não vai demorar para sentirem nosso cheiro. Sugiro que nós saiamos da estrada e viajemos por entre os montes, tomando um caminho mais ao sul. – respondeu Kataranagi.
- Muito bem. É possível Aaron? Sairmos da estrada e seguirmos por entre os montes? – Lorde Sebastian já estava dentro da carruagem fechando a porta.
- Sim, mas não é o mais recomendado. Além disso, os cavalos vão fazer barulho. – disse Aaron tomando as rédeas.
- Não se preocupem com isso meus amigos, eu vou nos salvar! – Disse Pirralho, alegremente.
Os que estavam ao seu redor lhe olharam com descrença.
- Vai é? Como? – perguntou Carwin.
- Com a Canção da Ventania! – respondeu Pirralho afinando o alaúde.
- Ele vai deixar o vento mais forte, para encobrir o som da carruagem e dissipar o nosso cheiro – explicou Liandre, sorrindo.
- Que assim seja então. Vamos, imediatamente! – disse Lorde Sebastian. As rédeas chicotearam os cavalos que partiram em disparada. Pirralho estava com Kataranagi sobre a carruagem, que chacoalhava sobre as rochas do campo. O monge segurava-se em uma barra de madeira, e segurava o pequeno bardo com o outro braço. Uma melodia doce começou a ecoar pelas proximidades, e o vento começou a soprar. Primeiro como uma brisa leve, acompanhando a melodia doce que era tocada. Depois, com uma mudança de ritmo, Pirralho agitou os ares. Rajadas mais fortes começaram a rasgar os campos conforme a melodia agitada ecoava. Pirralho manteve uma melodia constante, fazendo o vento correr por entre os montes na direção do norte. A carruagem saiu da estrada, e seguiu por entre algumas plantações próximas.
- Acho que deu certo! Eles vão ter que recuar em meio a essa ventania toda! – falou alto Kataranagi. Pirralho sorriu e continuou a tocar a canção.
- CUIDADO! Pedregulho vindo à esquerda! – gritou Carwin.
Aaron até tentou desviar a carruagem, mas um rochedo de aproximadamente dois metros de altura acertou a carruagem na lateral esquerda. O veículo tombou, derrubando Kataranagi e Pirralho no gramado, e deixando os outros presos dentro da cabine. Os cavalos foram parados a força pelo peso da carruagem tombada, mas nada sofreram além de um grande susto.
Carwin ajudou Liandre e Sebastian a saírem de dentro da cabine, enquanto Aaron, Kataranagi e Pirralho se recompunham.
- Que bruxaria foi essa? – perguntou o anão.
- Ele está aqui. O rato arcano. – Disse Kataranagi.
De fato, voando por cima do platô, chegava o Rato Feng. Era muito maior do que parecia, era do tamanho de Carwin, que tinha cerca de um metro e sessenta de altura. Usava um roupão oriental, como as vestes de Yudá, e estava cheio de amuletos e anéis mágicos em seu pescoço. Ele flutuou até o grupo, e permaneceu a uma distância segura, pairando no ar.
- Que truquezinho fajuto! Quem pensou que o Grande Feng, o Sujo, seria enganado por uma brisa aleatória vinda do meio dos montes? Hahahahaha – disse o rato. Sua voz era envelhecida e esganiçada. Não era possível vê-lo muito bem, em meio à escuridão, mas percebia-se que seu pelo era branco, e tinha um enorme bigode branco. Seus olhos vermelhos brilhavam no escuro.
- Maldito! Você lançou essa rocha em nossa carruagem? – gritou Carwin.
- Essa foi só uma amostra dos meus poderes! – disse Feng sorrindo.
Aaron empunhou seu arco e armou-o com uma flecha. Kataranagi começou a concentrar seu chi para acumular força. Sebastian empunhou sua espada, e Carwin seu martelo. Pirralho e Liandre resolveram dialogar.
- Por que está nos atacando? Nós só estamos de passagem. – perguntou a sereia.
- Lugar errado na hora errada, sereiana. Entreguem suas armas e seus itens mágicos, e os lobos do vale não dilacerarão vocês! Se tentarem lutar contra mim, vou esmagá-los como uma barata. Se tentarem fugir, serão devorados pelos meus amigos lobos que chegarão em breve. – ameaçou Feng.
- Não podemos negociar uma passagem segura em troca de alguma coisa? – perguntou Pirralho.
- Isso é um assalto seu idiota, não uma negociação diplomática! Eu reconheço os símbolos desta carruagem, vocês devem estar a serviço da família Croft! Vai ser um prazer estragar os planos dos nobres da região, dependendo do que vocês tem aí, vou cobrar uma grande fiança para devolver! – o rato voador parecia seguro de sua vitória, e não hesitava em demonstrar suas intenções maléficas.
- Senhor Rato, estamos em uma missão a mando dos Guardiões... você não vai querer se interpor em negócios de Guardiões, não é? – argumentou Liandre.
- Caguei para eles, caguei para vocês. – ironizou o Feng. – “Negócios de Guardiões”? O que é isso? A comitiva da boa vontade? Vou enterrar vocês tão fundo que nem mesmo os golens vão encontrá-los! Agora chega de conversa, entreguem seus itens e se rendam de uma vez. Não estão em condições de exigir nada. – vociferou o roedor.
- Nós vamos selar Descartia! Você poderia nos ajudar ao invés de nos atrapalhar desse jeito! Garanto que seus lucros seriam... – dizia Pirralho, até perceber o olhar de censura que todos do grupo lhe dirigiam.
- Selar a Cavaleira Descartia? A Catástrofe encarnada? HAHAHAHAHAHAHAHA! Fazia décadas que eu não ouvia uma estupidez tão engraçada!!! – gargalhou Feng.
- Ah! Cala a boca! – disseram Carwin e Aaron ao mesmo tempo. O anão arremessou um gancho com uma corda na direção de Feng, enquanto o cocheiro disparou uma flecha certeira na barriga do rato. Seria certeira, se o arcano não movesse o braço rapidamente, jogando tanto a flecha quanto o gancho no chão.
- Estúpidos insolentes! Perdi a paciência com vocês! – disse o inimigo, que agora movia os braços na direção do monte próximo. Várias pedras deslizaram encosta abaixo, destinadas a esmagar o grupo. Kataranagi e Carwin assumiram a dianteira: o monge deu pulos no ar, chutando pedras para longe, desviando-as da carruagem. Já o anão girou seu martelo e rebateu as rochas contra o arcano roedor, que desviou do ataque. Aproveitando-se da distração, Liandre abriu seu cantil. Cantou algumas palavras para a água, que ganhou a forma de uma serpente, e voou na direção do inimigo.
Feng reagiu: com umas mãos abertas, parou a serpente de água no ar, que se chocou em algo que parecia ser uma parede invisível. Moveu seus dois braços de forma sinuosa, e atirou a água na direção de Aaron e Sebastian. Os dois foram atingidos como que por um chicote no peito, e caíram para trás.
Carwin correu sobre a carruagem e saltou na direção do inimigo, com o martelo sobre a cabeça, para tentar esmagá-lo. Ágil, Feng deu duas piruetas no ar, desviando do golpe. Carwin caiu no chão recebendo todo o impacto. Aproveitando-se da distração, Kataranagi conseguiu saltar e socar o roedor no ar, enquanto ele ria da queda de Carwin.
O soco de Kataranagi jogou Feng diretamente no chão, fazendo uma nuvem de poeira se erguer por alguns metros. Pirralho aproveitou e tocou um acorde intenso, sério, que pareceu atordoar o arcano enquanto este se levantava. Todos se levantaram, e Feng sorriu, encarando o grupo.
- Literalmente, um golpe de sorte. – disse ironicamente. – Mas se é assim que vocês querem, muito bem. - Ele agitou as mãos e uma enorme bola de fogo surgiu sobre sua cabeça. A esfera cresceu a ponto de ficar maior do que a carruagem, e o arcano lançou-a sobre o grupo. Carwin ergueu seu escudo, Kataranagi imbuiu seu corpo com chi, embora soubessem que aquilo nada adiantaria contra a intensidade das chamas.
- Pirralho! – gritou Liandre.
O pequeno duende pulou na frente do grupo com uma flauta na boca, e soltou um apito alto e uníssono, intenso e ensurdecedor. Uma rajada de ar poderosa emanou do objeto, que dissipou a bola de ar deixando uma baforada de ar quente se espalhar pela campina. O grupo se pôs de frente ao rato, prontos para revidar o ataque.
O som de uivos próximos fez os cinco reconsiderarem a situação. Cerca de trinta lobisomens brancos de dois metros de altura surgiram por trás do monte mais próximo. Estavam armados com arcos, machados, espadas e dentes ferozes, além de um terrível olhar esfomeado, extremamente desagradável mesmo em batalha.
- Ponham a carruagem de pé! Pirralho e Liandre, ganhem tempo! – ordenou Sebastian.
- Conhece a canção Minguante de Cernnos? Chamada canção da noite silenciosa?
- Começa com “o lamento do outono”....
- ISSO! Essa mesmo. Toque bem alto. É hora de mostrar meus dons. – disse Liandre.
Sebastian, Carwin e Kataranagi tentavam erguer a carruagem, enquanto Aaron disparava flechas para distrair Feng. Enquanto os lobos se aproximavam, Liandre começou a cantar.
O lamento triste do outono
Canto doloroso e uníssono
Pelo descanso da floresta
E a vida repousa ferida
A água que antes refresca
Agora nos congela a vida
O lamento triste do outono
Enfraquece e causa sono
Outro ciclo que se encerra
É hora da vida voltar à terra
A voz de Liandre deu origem a uma onda mágica de cores escuras, com brilhos cintilantes como as estrelas. Como as ondas na superfície de um lago, a magia moveu-se rapidamente e atingiu os lobos em cheio. Feng voou, e não foi atingido, mas os canídeos humanoides tornaram-se sonolentos e começaram a cair ao chão, desacordados.
- Vamos matar todos eles! – gritou Aaron.
- Vai durar alguns segundos apenas, vamos cair fora daqui! – respondeu Liandre.
Com a superforça do Chi de Kataranagi, somado aos esforços de Carwin e Sebastian, a carruagem foi virada, e todos embarcaram imediatamente.
- Qual é o plano? – perguntou Carwin à Aaron, que chicoteava os cavalos para que partissem em alta velocidade.
- Temos que chegar ao Rio dos Seixos Brancos, vamos passar a ponte e deixá-los para trás! Mas os cavalos estão cansados, vão nos alcançar! – respondeu o jovem, pessimista.
- Em quanto tempo chegamos a ponte nesta marcha? – perguntou Sebastian.
- Duas horas no mínimo, se os cavalos aguentarem.
- Não temos todo esse tempo, os lobos já estão acordando... alguém viu o Rato Fedido? – Perguntou Sebastian, olhando pela janela da carruagem procurando algo nos céus.
- Ele se afastou para não ouvir minha canção, mas deve estar voltando para nós agora – respondeu Liandre.
- Inimigos no nosso encalço!!! – gritou Kataranagi, que estava no teto da carruagem. Um grupo de lobos corria velozmente na direção do veículo. A perseguição se estendeu por quilômetros, com os cavalos levados ao seu limite. Finalmente, avistaram a ponte sobre o Rio dos Seixos Brancos.
- Lá está! Feng não vai passar a ponte, a Taverna de Kyle fica logo depois! Duvido que ele não persiga até lá, há muitos soldados e nobres naquela região. – disse Aaron chicoteando a montaria.
Com a longa perseguição, os lobos eventualmente se cansam, restando apenas Feng. O Rato Sujo continua, voando e lançando inúmeros projéteis contra seu alvo.
Ao cruzarem a ponte, subitamente um enorme raio vindo dos céus atingiu e despedaçou a estrutura. A carruagem e os cavalos caíram na água, sendo imediatamente arrastadas pela correnteza. Embora não conseguisse alcançá-los, Feng queria ter certeza de que pelo menos os mataria, para não dar chance de vitória do grupo.
Os cavalos se afogaram. Aaron, Sebastian, Carwin, Pirralho e Kataranagi foram lançados desacordados na água. A carruagem em destroços desfazia-se nas posses e pertences do grupo, carregados rio abaixo. Liandre era a única que estava sã: sereia, o rio lhe trazia vitalidade e força. Ela usou seus poderes para carregar os membros do grupo para a margem. Em seguida, recuperou o que pode dos itens que ficaram presos nas rochas ou que afundaram no rio.
Os homens permaneceram desacordados por cerca de meio dia. Liandre cuidou de todos, usando seus poderes para curar suas queimaduras e mantê-los hidratados. Conseguiu recuperar a maioria dos pertences, menos o alaúde de Pirralho, papel, tinta, comida e outros objetos que estragaram ao mergulharem na água.
Não havia sinal de Feng, que parecia ter acreditado que o grupo havia morrido. Quando Carwin e Kataranagi acordaram, eles ajudaram a cuidar de Pirralho, Aaron e Sebastian. No fim da tarde, todos haviam recuperado a consciência. Cansados, famintos e psicologicamente desgastados, empacotaram o que podiam e retornaram para a estrada. Pelo caminho, marcharam os quilômetros finais até o lugarejo mais próximo, onde reestabeleceriam suas forças.
Os aventureiros entraram na Taverna de Kyle em um estado deplorável. As vestes de Liandre e Sebastian estavam rasgadas, Carwin e Kataranagi sangravam. Lorde Sebastian e Aaron estavam completamente sujos de terra, e Pirralho lamentava o alaúde perdido. Sentaram-se à mesa mais próxima da porta, exaustos. O público na taverna lotada pareceu não notar sua chegada: um grupo de duendes bardos tocava uma alegre e dançante melodia, que era seguida pela multidão com palmas compassadas e risos.
Um homem negro alto, careca, jovem e muito belo, usando roupas leves, se aproximou da mesa.
- Boa noite senhores, e senhora. Bem-vindos a minha taverna, me chamo Kyle – disse o homem com um sorriso. – Vejo que passaram por poucas e boas lá fora. Aceitam uma bebida gelada, por conta da casa? – ofereceu.
- Ah, seria maravilhoso – respondeu Sebastian. – Nossa carruagem caiu da ponte, fomos atacados por lobisomens.
- Mas conseguimos salvar o dinheiro, ainda bem. – disse Liandre.
- Ei, vejam! Meus primos estão aqui! – interrompeu Pirralho, que estava concentrado na apresentação musical dos duendes.
- Vamos querer dois quartos para pernoitar, Kyle. – disse Aaron.
- Ah! Jovem Aaron! Quase não lhe reconheci coberto de terra assim! Estão a serviço do senhor Croft? – Perguntou Kyle.
- Pode-se dizer que sim. Apenas nos providencie um banho quente e boa refeição, por favor. Amanhã fazemos o acerto, estamos exaustos. – disse Aaron.
- Certamente. Pedirei a Judy que lhes atenda aqui em breve. Só um minuto. – Disse o taverneiro, se retirando.
- Onde exatamente nós estamos? – perguntou Liandre.
- Na Taverna de Kyle, na fronteira entre o Reino de Federard e o Reino de Gront, o Sábio. O Reino de Fohrn fica algumas dezenas de quilômetros ao leste. Devemos estar a pouco menos de dois dias do teatro. – respondeu Aaron.
- Gente, eu vou tocar com eles! – disse Pirralho, que se enfiou no meio da multidão e se dirigiu para o palco.
Pouco tempo depois a conversa continuou.
- Sabe Liandre, até você fazer aquilo no rio eu estava achando que você era uma inútil. – admitiu Carwin. – Mas obrigado, fico feliz em ter minhas coisas comigo.
- Ah... de nada... é para isso que estou aqui... – respondeu Liandre com um sorriso amarelo.
- Daqui a pouco vai amanhecer, e nós estamos podres de canseira. Vamos só comer e dormir, pela magia da Irmandade Tritia. – disse o monge Kataranagi.
E assim se sucedeu. O grupo fartou-se em uma boa carne bovina, vinho, pão e vinagrete. Kyle lhes ofereceu dois bons quartos em sua hospedaria, anexa a taverna, onde puderam descansar por toda a manhã e o começo da tarde do dia seguinte.
A jovem Judy costurou o vestido de Liandre, ao troco de algumas moedas de prata. Sebastian tinha mudas de roupa extra, mas estavam molhadas, de modo que demorou para sair do quarto. Os outros banharam-se e limparam suas roupas, e aproximadamente na hora do almoço, todos estavam prontos para seguir viagem.
- Gente... cadê o Pirralho? – perguntou Liandre.
Foi então que todos perceberam que Pirralho não se juntara ao grupo na ceia. Havia sumido no meio da taverna, cantando e bebendo com os amigos duendes, até ter completamente desertado.
- Aquele maldito Pirralho, não pode ficar um segundo sozinho! – esbravejou Carwin. – Vamos procurá-lo.
Lorde Sebastian, Carwin, Aaron, Kataranagi e Liandre entraram no saguão da taverna, buscando por Kyle, para que ele lhe desse pistas sobre o paradeiro do pequeno duende. Não foi necessário: Pirralho estava sentado almoçando em uma mesa farta, acompanhado de um casal de nobres.
- Sim, sim! É uma missão supersecreta! Mas com a ajuda de vocês, vai ser fácil para nós! – dizia de boca cheia o jovem duende.
- PIRRALHO! ONDE DEMÔNIOS VOCÊ SE METEU? – Esbravejou Carwin, assustando todos na taverna e chamando a atenção do pequeno duende, que se paralisou na hora.
Percebendo a hostilidade da situação e buscando causar boa impressão, Lorde Sebastian interveio.
- Acalme-se Carwin! Desculpe-nos, senhores, vejo que encontraram nosso pequeno companheiro de viagem... me chamo Sebastian Barka, e esse é meu grupo de guardas costa. Somos estrangeiros do Primeiro Mundo.
O casal sentado junto à Pirralho trocou olhares, e sorriu. A mulher, de cabelo cor de rosa, usando um vestido grandioso e extremamente bem decorado, estendeu a mão para Sebastian.
- Muito prazer, Lorde Sebastian. Sou a Antoniette Calarrock, da nobreza de Fohrn...
- E eu sou Lorde Ludovic Label, também da nobreza de Fohrn. Seu amiguinho aqui nos contou que vocês foram atacados e perderam a carruagem... sem dúvida uma perda lamentável.
- Para a sorte de vocês, estamos indo para o mesmo caminho! – Disse sorridente Antoniette. – Estamos voltando para Fohrn hoje mesmo, por que não nos acompanham?
- Tenho certeza que nossa carruagem é grande o suficiente, se alguns forem em cima, outros podem nos seguir com cavalos... enfim, não será um problema... – explicou sorridente Ludovic, ao perceber que Sebastian estava prestes a recusar a oferta, por educação.
- O Reino de Fohrn tem uma série de relíquias e informações que podem ser úteis para vocês. Não podemos dispor de homens, nem carruagens, mas podemos leva-los até o Rei em pessoa, que vai adorar ouvir sobre vossa missão. Fohrn certamente vai ajuda-los! – disse Antoniette sorrindo.
- Então é isso! – disse Ludovic levantando-se entusiasmado. – Senhor Kyle, prepare nossa conta. Vamos partir.
O grupo parecia perplexo e sem entender muito bem o que estava acontecendo. Parecia ser algo bom em primeiro momento, mas ainda havia muitas perguntas a serem respondidas.
- Espera aí! O que é que vocês ganham com tudo isso? Não quero parecer rude, mas não sou de acreditar no coração bondoso de estranhos em tavernas... – indagou Kataranagi. O grupo assentiu com as cabeças, lançando sobre o casal de nobres um olhar inquisidor.
- Ora essa, pela graça que nos é dada! Primeiramente vamos ser mecenas dos heróis do mundo, facilitadores da maior missão já feita! Nosso nome entrará para a história junto com vossos nomes, e nossas casas ficarão ainda mais honradas. – disse Ludovic.
- E além do mais, são só alguns favores – disse Antoniette sorrindo. – Uma pequena troca de favores não pode ser algo tão perigoso assim, não?
- Mas é... estranho. – respondeu Carwin.
- Ah parem com isso! Conversei com eles a manhã toda, eles são boa gente, nobres de Fohrn, e ainda vão nos deixar diretamente na presença do Rei! Podemos pedir o que quisermos e ainda teremos o caminho livre para a ruína! – comentou Pirralho com a boca cheia de frango assado.
- Que seja... lorde Sebastian, vou acertar as contas com Kyle, pode me acompanhar por favor? – chamou Aaron.
- Tenham certeza de que nossas intenções são as melhores possíveis. – sorriu Ludovic, dando um selinho em Antoniette, que fazia uma pose de bailarina.
Os aventureiros adentram o Litoral Andoriano e são atacados por Feng, o Rato Sujo.

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