Humanos

Os homens e as mulheres geram seus semelhantes por meio da união carnal. O homem fornece a semente, invisível e abundante, enquanto a mulher guarda em si o óvulo, único e silencioso. Quando a semente encontra esse receptáculo, dá-se o início da vida. Tal encontro ocorre não no ventre em si, como muitos acreditam, mas em condutos estreitos e ocultos do corpo feminino, de onde a nova vida desce e se fixa na matriz.
  Uma vez ali instalada, a criança passa a crescer nutrida pelo sangue da mãe, ligado a ela por um órgão temporário, a que chamamos placenta, embora os camponeses a conheçam apenas como “a carne do parto”. Por meio dela, o feto respira, alimenta-se e livra-se de impurezas, enquanto a mãe carrega o peso desse outro corpo como quem carrega um fardo que é também promessa.
  O tempo ordinário da gestação é de 40 ciclos lunares, ou quarenta semanas completas, contadas desde o último sangramento mensal da mulher. Os mais atentos, contudo, reconhecem que a concepção ocorre algumas semanas depois desse marco, e que tal contagem é mera convenção, útil aos cálculos, mas imperfeita como todas as medidas humanas.
  Nos primeiros 15 ciclos, o feto é pouco mais que um esboço. O coração aprende a pulsar antes que os membros se definam, e qualquer febre, queda ou privações severas podem pôr fim à vida antes mesmo que a mãe saiba que a carrega. Muitos desses fracassos jamais são nomeados, mas incham as estatísticas silenciosas do reino.
  No fim do 30º ciclo lunar, o corpo se completa. Ossos endurecem, músculos se estendem, e os sentidos despertam. É então que a mãe sente os primeiros movimentos, pequenos golpes vindos de dentro, que as parteiras chamam de o despertar. A partir desse momento, a perda da criança torna-se menos comum, ainda que nunca impossível.
  Nos ciclos finais, o feto deixa de se formar e passa a se fortalecer. Acumula carne, aprende a respirar ainda sem ar, e posiciona-se para a saída do ventre. A maioria das crianças nasce por volta da quadragésima semana; as que vêm antes são frágeis e raramente sobrevivem sem cuidados constantes, enquanto as que tardam demais colocam a vida da mãe e do filho em risco.
  Na maior parte dos partos nasce apenas uma criança, pois o ventre humano raramente comporta mais de um corpo em segurança. Ainda assim, há registros de gêmeos, e, em raríssimos casos, de três ou mais, eventos quase sempre acompanhados de morte, desgraça ou superstição, como se o mundo cobrasse um preço por tal excesso.

A inteligência humana não se destaca pela profundidade extrema, mas pela amplitude. Um humano médio não domina todos os campos, mas aprende o suficiente para sobreviver em quase qualquer um. Sua mente é adaptável, curiosa e inquieta. Onde faltam instintos mágicos ou memória ancestral, sobra engenhosidade.
  Humanos aprendem rápido porque erram sem hesitar. Testam ideias incompletas, constroem ferramentas imperfeitas e as melhoram com o tempo. Sua inteligência se manifesta menos como genialidade isolada e mais como acúmulo coletivo: conhecimento passado adiante, registrado, esquecido e redescoberto.
  Em média, um humano entende o mundo não como ele é, mas como poderia ser — e essa diferença sutil é o que os torna perigosos, inventivos e impossíveis de ignorar.

Os humanos raramente concordam sobre o que significa ser homem, mulher ou qualquer identidade entre esses polos — e essa é, paradoxalmente, sua maior virtude. Em muitas culturas humanas, gênero não é um molde fixo, mas uma expectativa em constante negociação entre tradição e necessidade. Guerreiros surgem onde antes se esperavam camponeses; estudiosas comandam exércitos; artesãos se tornam líderes espirituais.
  Ainda assim, certos ideais persistem como ecos antigos. Espera-se que cada indivíduo “sustente algo”: uma família, um juramento, uma causa ou um legado. Não importa o gênero — o valor humano está em assumir responsabilidade e agir apesar do medo. A coragem não é vista como ausência de dúvida, mas como a decisão de seguir adiante mesmo quando ela pesa. Em sociedades humanas, gênero molda papéis apenas até o momento em que a sobrevivência, a ambição ou a esperança exigem outra coisa.
 

“Entre os humanos, não é o que você é que define quem você deve ser — é o que o mundo precisa de você no momento.”

Relacionamentos humanos são construídos sobre escolha, não sobre destino. Enquanto outras raças falam em laços eternos ou vínculos naturais, os humanos se orgulham de amar porque decidiram amar. Companheirismo, para eles, é um pacto renovado diariamente, frágil e poderoso ao mesmo tempo.
  O ideal humano de relacionamento valoriza parceria acima de perfeição. Espera-se conflito, mudança e até falha — mas também crescimento. Amantes humanos raramente buscam espelhos; buscam âncoras. Alguém que permaneça quando o mundo muda, mesmo que ambos se transformem no processo. Amizades profundas são tratadas com a mesma reverência que romances, e juramentos entre companheiros de jornada podem carregar mais peso do que votos cerimoniais.
  Há, entre os humanos, uma crença silenciosa: ninguém caminha sozinho por muito tempo sem se perder.